Lições de Omaha
08/05/2023
08/05/2023
08/05/2023
Nesse final de semana tive a honra e o prazer de representar a Avenue na conferência anual da Berkshire Hathaway, em Omaha, no Nebraska. Ouvi e aprendi com a sabedoria de duas lendas do mercado acionário global: Warren Buffett e seu sócio há mais de 50 anos, Charles Munger. Para quem não sabe de quem estou falando, deixei os links em cada nome, mas uma forma de colocar em contexto é a seguinte: se alguém tivesse investido US$ 1.000 em 1965 em ações da Berkshire Hathaway, hoje poderia ter o equivalente a mais de US$ 18 milhões com a gestão desses dois líderes e de seu time – vale lembrar que se trata de um investimento hipotético de mais de 50 anos. Manter ações para o longo prazo não garante um resultado rentável. Investir em ações sempre envolve risco, inclusive a possibilidade de perder todo o investimento.
Mas o que é essa conferência?
Nada mais é do que uma conferência, uma assembleia de acionistas que ocorre anualmente, como muitas outras que acontecem com diferentes empresas de capital aberto. Em geral, toda empresa de capital aberto deve realizar uma reunião anual para seus acionistas, na qual estes (acionistas) interagem com os executivos da empresa e também votam acerca de alguns temas relevantes para a empresa.
Por que é diferente?
Porque a reunião da Berkshire Hathaway vai além. Primeiro pelo seu tamanho. A assembleia se dá num ginásio com mais de 20 mil pessoas e, junto à assembleia, existe uma grande feira que exibe e vende diversos produtos de empresas investidas da Berkshire. Fora isso, Buffet e Munger palestram respondendo questionamentos de jornalistas, analistas e acionistas por quase 6 horas e sobre uma ampla gama de tópicos. Por fim, além dos acionistas, algumas personalidades frequentam a reunião anual. CEOs famosos como Tim Cook, da Apple, o proprietário do Hedge Fund, Bill Ackman, e esse ano vimos Bill Gates circulando por lá.
Um pouco de história
A primeira reunião aconteceu em 1973 no refeitório dos funcionários da National Indemnity Company, uma das subsidiárias da Berkshire Hathaway. Durante anos, a conferência teve poucos atendentes, por exemplo, em 1981, apenas 12 pessoas compareceram à assembleia. A partir do crescimento da empresa e sua base de acionistas, a reunião mudou para arenas maiores. A decisão de Buffett, em 1996, de emitir ações B, uma nova classe de ações da Berkshire com um preço por ação muito mais baixo, adicionou mais de 40.000 acionistas à Berkshire e catapultou a reunião para o status de festival. Em 2015, o evento alcançou seu máximo de audiência, 44 mil pessoas, que foram celebrar os 50 anos da Berkshire Hathaway. O evento ficou conhecido como “Woodstock para capitalistas” na imprensa financeira (fonte: Investopedia).
Curiosidades
Muitas são as curiosidades sobre a Berkshire, Buffet e Munger. Aqui, cito apenas algumas relacionadas ao evento:
Insights de 2023 na economia
Mas vamos a alguns insights interessantes sobre o momento atual.
Sobre a recente turbulência bancária
Parte relevante da carteira da Berkshire está investida em empresas do setor financeiro – empresas de cartão de crédito ou em bancos. Então, a recente turbulência no setor bancário acaba trazendo holofotes para suas opiniões sobre o setor.
Buffet foi enfático em dizer que foi necessário resgatar o Silicon Valley Bank e que, caso não houvesse esse resgate, os efeitos seriam catastróficos para os EUA e mundo. Mas ele também foi bem claro em criticar e analisar o sistema bancário atual. Segundo ele, os eventos que ocorreram no setor e seus desdobramentos mandaram uma “mensagem muito pobre” para o sistema como um todo. Para Buffett, os responsáveis não são punidos, os CEOs não sofrem consequências quando um banco quebra. Eles ganham milhões durante a operação do banco, mas não são punidos ou prejudicados.
Ele critica ainda a regulação bancária, chamando-a de muito confusa. Ele citou o exemplo da Fannie Mae e Freddie Mac em 2008: segundo ele, havia mais de 150 pessoas regulando o sistema e não conseguiram o fazer direito.
Dólar como reserva de valor global
Nesse sentido, Buffet foi taxativo e direto: para ele, não há opção ou alternativa ao dólar no mundo atual.
Ele pontua, obviamente, o risco recente da emissão de moeda e seus impactos inflacionários que, no fim do dia, destroem o poder de compra de qualquer moeda. Tanto ele quanto Charlie Munger entendem que o que foi feito durante a pandemia foi necessário, ou seja, foi uma alternativa para sairmos de uma recessão muito forte. No entanto, olhando à frente eles ressaltam que “é loucura ficar imprimindo dinheiro”. Ele fala que a América pode fazer muito para sair de momentos de forte contração de economia, mas que ao mesmo tempo, se fizer demais pode haver perda de confiança na moeda.
Teto de gastos nos EUA
Buffett defende que ninguém entende melhor a situação da economia que o presidente do FED, Jerome Powell, mas que o mesmo não controla a política fiscal (gastos do governo) e que esse é um ponto que precisa ser endereçado. Como a questão fiscal é essencialmente política – desacordo de democratas e republicanos acerca do orçamento – o presidente do FED não consegue agir nesse sentido.
Falando em política, Buffett diz que o sistema partidário atual nos EUA se assemelha ao tribalismo e que essa forma de organização de sociedade não funciona. Ele fala: “temos que refinar nossa democracia”.
Recessão e economia nos EUA
Buffet defendeu mais uma vez a sua frase: “never bet against America” (“nunca aposte contra a América”). Segundo ele, os EUA são uma nação com vantagens competitivas importantes. Os EUA representam 25% do PIB atualmente; possuem uma geografia diferenciada que o dá acesso a 2 oceanos, entre outros recursos naturais; possuem bons vizinhos, como México e Canadá, e são, hoje, um lugar melhor para se viver do que era no passado.
Relação China e EUA
Tema muito presente no noticiário econômico, a relação entre EUA e China não tem sido boa já há algum tempo. Mas tanto Buffett como Munger foram muito firmes em defender a necessidade do diálogo e cooperação entre as 2 maiores economias do mundo. Eles comentaram que tudo o que separa China e EUA é uma estupidez e que a sociedade mundial ganharia muito se os dois países cooperassem. Buffett aponta que os líderes dos dois lados precisam criar mecanismos de cooperação. Ele ressalta que é importante que China e EUA se entendam, deixando de lado as posturas mais agressivas. Charlie diz: “Tudo que separa os países é uma estupidez. Existe tanto potencial na cooperação mútua”.
Me chamou atenção também o fato de uma quantidade bastante grande de chineses na feira em comparação com a feira de 2022, a qual tive a felicidade de participar. A explicação reside no fato da China ter abandonado sua política de Covid Zero
Insights de 2023 em setores
Inteligência artificial e robótica
Face ao desenvolvimento e até dizer “hype” acerca do assunto inteligência artificial (IA), muitos queriam a opinião dos 2 a respeito. Munger foi bastante “ácido” em sua resposta, dizendo que a inteligência tradicional funciona muito bem. No entanto, ele ressaltou em visita à China, por exemplo, que você vê muitos robôs operando melhor que humanos e que acredita que mais desenvolvimento deverá haver nesse sentido.
Buffett falou que a inteligência artificial deve seguir se desenvolvendo, mas que nunca irá substituir ou se equiparar ao cérebro humano. Além disso, ele comenta: “a IA pode mudar muita coisa, mas não vai conseguir mudar como o homem se comporta”, ou seja, a natureza humana.
Apple
Apple é a principal ação do portfólio da Berkshire Hathaway, sendo a empresa dona de quase 6% da companhia.
Buffett não economizou elogios dizendo o seguinte: “Apple é simplesmente um negócio melhor do que qualquer outro que possuímos”. Ele acrescenta o status do iPhone entre os consumidores, que o torna um “produto extraordinário”.
Buffett comenta o seguinte: “a Apple tem uma posição com os consumidores em que eles pagam cerca de mil dólares por um telefone e as mesmas pessoas pagam US$ 35.000 para terem um segundo carro, e se tiverem que desistir de um segundo carro ou desistir de seu iPhone, eles desistem de seu segundo carro.
Cash is not trash
Existe essa expressão no mercado que diz: “cash is trash”, a qual se refere à perda do poder de compra da moeda ou de recursos não investidos num ambiente inflacionário. Ou seja, a ideia de que carregar caixa não é uma boa alocação de capital. A julgar pelo tamanho do caixa da Berkshire, podemos dizer que Buffett discorda dessa ideia. “Qualquer um que pense que dinheiro em espécie é lixo deveria olhar o balanço do Federal Reserve”, acrescentou. “É impressionante como as notas de 100 dólares se espalharam. Acredite em mim, dinheiro não é lixo.”
Negócios de streaming
Buffett reconhece que as pessoas se divertem assistindo TV e isso não é de hoje, mas, segundo ele, existem muitas empresas investindo e operando esse setor e isso tende a levar a uma guerra de preços entre elas. Segundo Buffett, existe muita oferta de produtos nesse setor, mas as pessoas continuam tendo apenas 2 olhos e menos de 24 horas de atenção a isso, ou seja, não haveria tanto espaço de crescimento. Ele chamou o segmento de um negócio difícil.
Cryptos
Buffett disse que as pessoas podem estar perdendo a fé no dólar, mas isso não quer dizer que o bitcoin seja a solução. Segundo ele: “esqueça esses brinquedos – é uma piada pensar em tokens, isso é loucura”.
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Aquele abraço!
William Castro Alves
Estrategista-chefe da Avenue Securities
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