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VISÃO DO ESTRATEGISTA

PAYROLL E A DICOTOMIA DA POLÍTICA MONETÁRIA

Começo o artigo de hoje com o dado mais relevante da semana, que foi divulgado na sexta. O payroll é um relatório mensal que visa medir a saúde do mercado de trabalho americano. Por si só ele já é importante pois consegue capturar a capacidade da economia americana em gerar empregos. Mas ele ganha ainda mais relevância num momento que muito se fala em retirada de estímulos monetários.

A grande questão atual na economia americana é se:

  • A economia vai bem, não são mais necessários os estímulos monetários dados pelo FED e, em algum momento no futuro breve, deveríamos ter aumentos de juros;
  • A economia americana vem desacelerando e os estímulos seguem sendo necessários.

O dado de Payroll divulgado na sexta-feira contrariou os números recentes e reforçou a leitura (i), ou seja, a visão declarada inclusive pelo senador Joe Manchin é de que o FED deve iniciar seu tapering para já – tapering se refere ao interrompimento da compra de títulos pelo governo americano e o enxugamento de liquidez existente no mercado.

Senador Joe Manchin (D-WV) deixa uma reunião de senadores

CNBC.

Falando dos números, foram gerados 943 mil postos de trabalho em julho na economia americana e a taxa de desemprego caiu de 5,9% para 5,4% – o mercado esperava criação de 845 mil vagas e uma taxa em 5,7%, ou seja, os dados foram melhores que o esperado.

Total de folhas de pagamento não agrícolas, mudança em relação ao mês anterior
Taxa de desemprego nos EUA
CNBC.

Os números mostram que a economia americana segue em franca expansão, gerando mais empregos, em especial no importante segmento de Lazer e Hospitalidade (indústria hoteleira), que foi o destaque de contratações no mês – vide gráfico abaixo. As contratações do governo também chamaram atenção, com um acréscimo líquido de 240.000 empregos. A explicação reside no fato dos governos estaduais e locais contribuírem com a maior parte desses ganhos, já que as universidades e outros distritos escolares públicos aumentaram seu quadro de funcionários antes do semestre, que se iniciou agora em agosto.

Julho empregos variação líquida de um mês

CNBC.

 

IMPACTO…

Dado bom é dado bom e dado ruim é melhor ainda?

Na sexta, o impacto de tais números foi imediato. Os juros de 10 anos reagiram, saltando mais de 5%, e como reflexo disso vimos uma discrepância de performance entre os índices, com o Dow Jones subindo – refletindo o fato de a economia estar crescendo e dos juros em alta, que ajudam o setor financeiro; em contrapartida, o Nasdaq caiu por conta do aumento de juros e o impacto disso na percepção de valor das empresas de tecnologia.

Já deixo minha opinião aqui de que essa é uma visão de extremo curto prazo e nada garante que seguiremos vendo essa tônica no mercado. O que temos visto na economia americana é que “dado bom é dado bom e dado ruim é melhor ainda”. Sim, números fortes da economia são bons… E dados fracos geram a percepção de manutenção de incentivos monetários.

Não por acaso, nessa semana vimos mais uma vez os índices americanos atingirem novas máximas.

 

 

MERCADO AMERICANO BARATO?

 

Saindo do macro e vindo para o micro, o que temos visto é uma safra de balanços trazendo números muito positivos. Tivemos mais de 340 empresas do índice S&P 500 divulgando seus números até agora, sendo que 89% delas bateram as estimativas de lucros, e com lucros crescendo 88% na média versus o 2T20. Você pode questionar a base fraca de comparação que foi o segundo trimestre de 2020, o qual foi fortemente impactado pelos lockdowns e pandemia. Ainda assim, esses são números muito fortes.

E o curioso disso é que esses números fortes fazem com que, mesmo com as altas recentes, o mercado americano não esteja mais caro. Deixe-me explicar com um exemplo simples. Vamos supor que o múltiplo de lucro (relação Preço da Ação/Lucro por ação) justo para determinada ação seja 20x, que essa ação esteja negociada no mercado a US$20 e que seu último lucro tenha sido de US$1/ação. Quando essa empresa entrega um crescimento de, por exemplo, US$ 1,20/ação, mantendo o mesmo múltiplo de 20x, seu novo “preço-justo” seria de US$ 24 (US$1,2 multiplicado pelo múltiplo 20x). Ou seja, o fato de a empresa entregar um lucro maior faz com que seu preço considerando justo possa ser 20% maior.

Essa é a dinâmica que temos visto no mercado americano, e esse gráfico abaixo ilustra bem isso. O índice americano tem se valorizado, sem necessariamente ficar mais caro, quando analisamos pelo múltiplo preço/lucro.

O mercado de trabalho apertou ainda mais em julho

The Daily Shot.

 

Em outras palavras, dá até para dizer que o mercado americano foi ficando mais barato nos últimos meses, mesmo com as altas do índice S&P 500. Parece contraintuitivo, mas o gráfico do múltiplo P/L do S&P abaixo ajuda a entender.

Razão preço / lucro a prazo S&P 500

Axios.

 

Para acabar, penso que vale um comentário sobre o dólar…

 

É RARO, MAS ACONTECE MUITO?

Numa semana onde os índices americanos atingem máximas, a volatilidade se reduz e temos uma decisão de aumento de juros no Brasil, seria razoável supor uma desvalorização da moeda americana e o Real se fortalecendo… Pois é, mas não foi o que aconteceu. Como sempre, o dólar seguiu forte contra a moeda brasileira. A moeda americana adora “pregar peças” nos economistas (aos quais eu me incluo, pois sou um), fazendo com que os eles errem seus prognósticos.

Evolução da taxa DI janeiro 2027

Valor Econômico.

 

A realidade é que nos últimos 2 meses o risco associado ao Brasil vem aumentando com mais e mais notícias ou análises chamando atenção ao elevado risco fiscal que vivemos e o constante flerte com políticas fiscais mais frouxas, que beiram o populismo. Não à toa, o CDS brasileiro (espécie de seguro contra o Brasil) veio subindo.

Brazil CDS 5 Years USD

Investing.

E, como reflexo, o dólar segue teimando em não cair.

Câmbio dolar

Penso que os riscos da criatividade estatal num ano eleitoral não podem ser desprezados, e ajudam a explicar a resiliência da moeda americana. De forma prática, o que podemos aprender são duas lições básicas:

  • Não vale a pena tentar adivinhar o movimento do câmbio;
  • O investimento internacional dolarizado é uma necessidade.

 

Era isso pessoal, aquele abraço!

William Castro Alves

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