Dinheiro não aceita desaforo nem retrocesso – Internacionalizar é uma necessidade
18/04/2022
Vejo algumas pessoas dizendo que quem optou por internacionalizar seu patrimônio se deu mal, ou “errou a mão”, haja vista a fraca performance da bolsa americana esse ano e a queda do dólar. Acho engraçado. Deixe-me dissertar a respeito…
O Brasil viveu nos últimos anos uma profusão de ideias e de conteúdos sobre investimentos e mercado de capitais, algo que é muito positivo. Esse movimento desenvolveu um ecossistema e uma população que abraçou o tema como parte de suas vidas. E recentemente mais uma fronteira foi (e continua sendo) aberta: a do acesso irrestrito a todo e qualquer tipo de investidor ao mercado de investimentos global.
A internacionalização é um caminho sem volta.
O próprio desenvolvimento normal do mercado empurrou investidores e recursos para outros mercados, em um círculo virtuoso positivo, uma derivada do progresso e desenvolvimento.
Mas ao mesmo tempo que um mundo de possibilidades foi criado, existe um mar de possibilidades e de desconhecimento que causa certa confusão a muitos. Normal. Quem assistiu ao tragicômico filme alemão “Adeus, Lênin!” vai entender que a mudança causa algum espanto e desconfiança – na obra, os mais velhos não viam com bons olhos a abertura da Alemanha Oriental às “modernidades ocidentais”.
Mas me chama atenção ver que mesmo literatos, influentes e inteligentes agentes do mercado desdenham do tema ou tentam te convencer do contrário. Um negacionismo bobo, que só me parece fazer sentido sob a ótica do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, ou seja, se isso não me favorece eu não recomendo.
O que quero dizer com isso?
Vejo muita gente alardeando ou mesmo “zombando” daqueles que decidiram internacionalizar parte do patrimônio e, sob o olhar efêmero dos últimos 3 meses, apontam que esse foi um erro de alocação de capital/investimento.
Daria para dissertar sob os diversos vieses comportamentais de quem faz isso: confirmation bias, aquela tendência de procurar e interpretar dados que defendam seu próprio ponto de vista; hindsight bias, que faz com que o sujeito se convença depois do evento de que havia previsto o acontecido, quando na verdade não previram coisa alguma; mas o que mais vejo atualmente é o framing bias.
Já volto a ele…
Mas quantos lembram daquele filme, o Groundhog Day?
É uma comédia romântica de 1993. Ela tem como protagonista Bill Murray interpretando um repórter de meteorologia bastante arrogante que se vê preso numa espécie de túnel do tempo, que o faz reviver o mesmo dia incontáveis vezes. No Brasil, o filme veio com o nome Feitiço do Tempo.
Pois bem. Alguns analistas até famosos parecem viver presos a esse Groundhog Day, analisando apenas a fotografia e não o filme, e perpetuando essa foto como uma nova verdade. Esse é o framing bias.
Já vi esse filme antes. Estou à espera de uma capa de revista para confirmar uma inversão.
Vou navegar sobre alguns argumentos acerca da internacionalização, mas olhando dentro de uma perspectiva maior e não tática, temporal e de curto prazo, como tenho visto por aí no Brasil.
Até aqui, o investidor brasileiro ficou restrito ao Mito da Caverna de Platão. Enxergávamos de longe as sombras do que acontecia fora sem poder participar disso.
Mas isso mudou, e entendo que é um caminho sem volta. Internacionalizar é uma filosofia de investimento e uma necessidade.
Saímos do Groundhog Day eterno da diversificação apenas entre renda fixa e bolsa nacional. Ter ficado na caverna nos últimos anos nos tolheu de participarmos do enorme desenvolvimento do mercado de games dos últimos anos, do avanço da biotecnologia que nos deu uma vacina contra a Covid em meses, da expansão da cibersegurança, do nascimento da indústria de cannabis, da recuperação do mercado imobiliário americano pós-2008, entre outros. E mesmo para surfar o boom recente do petróleo, a melhor alternativa não foi no veículo estatal nacional, mas sim em empresas privadas internacionais que conseguem repassar os maiores preços da commodity sem greves ou intervenções.
Taticamente, o Brasil parece interessante se perpetuarmos o cenário atual de forte preços de commodities, se não tivermos surpresas nas eleições, se o investidor estrangeiro seguir acreditando no Brasil, se desconsiderarmos muitos dos problemas estruturais que nos acorrentam numa situação de baixo crescimento e elevada inflação, se a inflação não surpreender e corroer o retorno da renda fixa, entre tantas outras condicionantes.
O investidor brasileiro já tem sua renda futura, trabalho e vida correndo o Risco Brasil. Taticamente, sempre temos que considerar todo e qualquer tipo de investimento, inclusive ter uma exposição maior ao Brasil. Entretanto, estruturalmente o investimento global não deveria ser mais uma opção, e sim uma necessidade de todo e qualquer investidor. Olhando retrospectivamente, o acesso a produtos globais nos últimos 10, 20, 30 ou 50 anos teria feito uma enorme diferença no nível de poupança e riqueza do brasileiro. Por que agora seria diferente?
Abordei mais esse tema no podcast Moneyplay, que ficou super completo – veja aqui a transmissão. Vale a pena assistir ou recomendar para aqueles que ainda têm dúvidas sobre o tema.
Prometo que semana que vem volto com uma análise menos teórica/conceitual e mais conatural/analítica de mercado.
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Aquele abraço,
WILLIAM CASTRO ALVES